Previdência Usiminas

Entenda o caso

A criação das submassas 

Imagine que existam duas contas bancárias registradas sob um mesmo número de CPF. As duas estão no mesmo banco, pertencem a um mesmo número de registro, mas possuem saldos, rendimentos e obrigações de pagamentos completamente distintas. Em termos gerais, essa é a origem do processo judicial envolvendo a Previdência Usiminas e ex-funcionários da Companhia Ferro e Aço Vitória (Cofavi), que teve início ainda nos anos 1990, pouco depois que a siderúrgica faliu deixando pelo caminho uma série de pendências.  

A Cofavi aderiu, em 1985, a um plano de benefícios que já existia desde 1975, registrado como PBD/CNPB 1975.0002-18. O plano foi criado originalmente para receber contribuições da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), incorporada pela Usiminas. O número do CNPB, cabe dizer, corresponde ao registro do fundo no cadastro nacional, literalmente uma espécie de “CPF” de um plano de benefícios de previdência complementar fechada.  

Com a adesão da Cofavi, 10 anos depois, foram criadas duas submassas vinculadas a esse mesmo CNPB: uma para receber receitas e cobrir despesas da submassa Cosipa e outra para a Cofavi. Esse cenário, de duas submassas inscritas sob o mesmo número, é relativamente comum em planos criados nos anos 1970 porque, na época, vigorava uma norma que proibia a criação de novos planos de previdência fechada no Brasil. Assim, a demanda era atendida por meio da criação dessas submassas, segregadas atuarial e contabilmente. 

A falência da Cofavi  

O fundo/submassa Cofavi recebeu repasses de janeiro de 1986 até março de 1990. No entanto, pelo contrato de adesão ao plano, os depósitos deveriam se estender até 2009, para que se constituísse integralmente a reserva garantidora dos benefícios dos participantes. A interrupção dos aportes apenas quatro anos depois, quando a Cofavi já caminhava para a falência (que se consolidou oficialmente em 1996), exauriu os recursos do fundo. Portanto, os recursos existentes hoje no PBD/CNPB 1975.0002-18 pertencem exclusivamente ao fundo/submassa Cosipa, que ainda possui participantes ativos. 

Ou seja, é como se uma das contas (a da Cofavi) tivesse o saldo zerado e a outra (a da Cosipa) mantivesse saldo positivo. Ainda que vinculadas ao mesmo CNPB, o saldo de uma conta, por disposição expressa no Convênio de Adesão e regulamentação setorial, não pode ser utilizado para sanar o déficit da outra conta. Mas não é o que tem sido visto na prática. 

É justo? 

A conta é simples. A Cofavi e seus funcionários não constituíram reserva suficiente para custear o pagamento de benefícios contínuos aos seus ex-funcionários, uma vez que as contribuições pararam apenas quatro anos depois da adesão. É incontestável o exaurimento do fundo, porque dele somente saíram recursos desde então. 

Apesar de os participantes terem cumprido alguns requisitos necessários à concessão da aposentadoria, especialmente a idade, a reserva matemática para lastrear o pagamento de seus benefícios ainda não havia sido formada quando eles se aposentaram. Justamente por esse motivo a Cofavi se comprometia, no Contrato de Adesão, a fazer pagamentos ao fundo até 2009, compromisso que foi abandonado em 1990, quando ela interrompeu os repasses. 

O tal compromisso nasceu do fato de que, à época da adesão, a massa de trabalhadores da Cofavi já era bastante envelhecida. Assim, não é verdadeiro dizer que os ex-funcionários contribuíram durante toda a vida de trabalho para terem direito aos pagamentos vitalícios. 

O imbróglio judicial  

Como boa parte dos participantes do plano acabou se aposentando naquele período entre a criação do fundo (1985) e a interrupção dos pagamentos pela Cofavi (1990) e a siderúrgica havia se comprometido a ressarcir o fundo com repasses futuros, alguns trabalhadores receberam complementos de aposentadoria durante algum tempo. Mas como os repasses futuros não aconteceram, os recursos esgotaram e a Femco (que depois foi incorporada pela Previdência Usiminas) interrompeu os pagamentos em 1996. 

Foi essa interrupção que deu origem aos processos que tramitam hoje na justiça estadual do Espírito Santo e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Previdência Usiminas responde hoje a 227 processos de ex-cofavianos que pedem a continuidade dos pagamentos vitalícios, ainda que não tenha sido formada a reserva garantidora que daria a eles tal direito ou a devolução das contribuições vertidas para o plano de benefícios, mesmo estando estes valores habilitados no processo da falência.

O caso já teve diversas manifestações no STJ, o que evidencia a complexidade do tema e ausência de unanimidade entre os magistrados sobre o assunto. Em 2015, a Segunda Seção da corte chegou a determinar que a Previdência Usiminas continuasse a fazer os pagamentos das suplementações de aposentadoria dos ex-funcionários da Cofavi, mas proibiu expressamente a utilização de recursos da submassa Cosipa/Usiminas para tanto.  

Isso, no entanto, não bastou para que juízes capixabas interrompessem as determinações de retirada de valores da submassa da Cosipa, única com saldo positivo. Como o fundo ainda possui recursos e eles estão “guardados” sob o mesmo número de registro do fundo exaurido – o número do CNPB – as decisões judiciais acabam por impactar diretamente o fundo saudável, da Cosipa. 

Diante do descalabro jurídico e dos riscos às reservas dos demais participantes do PBD, em junho de 2022 a Segunda Seção do STJ voltou a analisar o tema. Em placar apertado de 5 votos a 4, prevaleceu o entendimento da decisão de 2015, reconhecendo o direito dos aposentados da Cofavi pela manutenção dos seus benefícios até a liquidação extrajudicial da submassa COFAVI, a despeito da inexistência de solidariedade entre as duas submassas.  

Esta decisão, no entanto, não mencionou a impossibilidade de utilização dos recursos da submassa da Cosipa para custeio dos pagamentos aos cofavianos e acabou por inaugurar uma nova avalanche de decisões desfavoráveis nas cortes superiores e na justiça do Espírito Santo, elevando o déficit do fundo da Cosipa ao valor destacado no início desta página.

Por entender que restavam ainda questões a serem esclarecidas ou reconsideradas pelos ministros do STJ, a Previdência Usiminas apresentou um novo recurso na corte, pedindo, em outras palavras, que os magistrados apontassem a fonte de custeio dos pagamentos aos cofavianos.

Tal recurso foi apreciado pela Segunda Seção do STJ em agosto de 2023, com resultado novamente desfavorável à Previdência Usiminas. Prevaleceu o entendimento de que a Entidade é responsável pelos pagamentos de benefícios até a liquidação extrajudicial do fundo pretendente à Cofavi.

Supremo Tribunal Federal vai se posicionar 

Diante do descalabro jurídico que se desenha com o avanço dos bloqueios judiciais e dos possíveis impactos para o setor de previdência complementar fechada no país, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) apresentou recentemente  uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Na ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – a entidade pede que sejam suspensos todos os processos relacionados ao Caso Cofavi, bem como as execuções das decisões já proferidas. 

O processo está com o ministro relator da ação, André Mendonça, para decidir sobre o pedido liminar.

Ao que eles têm direito? 

A Previdência Usiminas reconhece que a falência da Cofavi e as pendências deixadas junto a credores – inclusive ex-funcionários – tenha causado frustrações e, em alguns casos, interrompido planos de uma aposentadoria mais tranquila. No entanto, conforme determina a Lei Complementar 109/2001 e o próprio Termo de Adesão da Cofavi ao PBD, em 1985, a contribuição pelo período de apenas quatro anos não confere aos beneficiários capixabas os mesmos direitos adquiridos por aqueles que contribuíram para a previdência complementar por quase cinquenta anos, caso dos beneficiários da Cosipa, participantes desde 1975. 

Aos ex-cofavianos cabe a restituição do patrimônio acumulado durante o período de contribuição. Ou seja, tudo aquilo que foi depositado no fundo em valores corrigidos pela inflação. Boa parte dos ex-participantes, inclusive, já recebeu esse montante. Uma minoria deve reembolsar os valores quando for concluído na Justiça o processo referente à massa falida da Cofavi, na qual a Previdência Usiminas possui créditos habilitados em nome de dos participantes prejudicados pela falência da patrocinadora. 

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