Carreira e maternidade: a culpa, o mercado e o sexismo potencializado pela chegada dos filhos

Artigo de autoria de Isabela Duarte*

Ter sucesso profissional e ser uma boa mãe é possível? Como lidar com a culpa de ter filhos e, ao mesmo tempo, não conseguir dedicar todo o tempo do mundo para eles porque o trabalho também requer atenção? Como lidar com o risco de ficar fora do mercado de trabalho em decorrência da maternidade?

Nesta semana, a Previdência Usiminas divulgou um texto para os colaboradores e colaboradoras muito interessante sobre culpa materna e autocompaixão (clique aqui para ler o texto). Mas por que a culpa materna é tão presente? E o que isso tem a ver com as mulheres, sobretudo mães, e sua inserção e manutenção no mercado de trabalho?

A questão realmente é desafiadora para as mulheres e muitas mulheres podem sentir culpa por não conseguirem estar presentes em todos os momentos da vida dos filhos por se dedicarem ao campo profissional.

Corresponsabilidade entre os pais na criação dos filhos

De acordo com Monique Stony – psicóloga, executiva de Recursos Humanos em organizações multinacionais e escritora do livro “Vença a síndrome do degrau quebrado”, que tem como objetivo apoiar mulheres na conciliação de carreira e maternidade – a sociedade normalizou como principal papel da mulher o de ser mãe e cuidadora.

“Por isso, é comum que a sociedade espere dela e que a própria mulher se sinta a principal responsável pela criação dos filhos. E, quando ela passa a assumir outro papel junto com a maternidade, como o de profissional, por exemplo, ela sente que precisa dar conta de tudo para que não “fracasse” no seu papel primordial, que é ser mãe. Só que essa tarefa é impossível de ser realizada. Não é possível dar conta de tudo o tempo todo. A não aceitação disso é o que acredito gerar o sentimento de culpa”, afirma Monique.

Ter uma rede de apoio também é um ponto ressaltado pela psicóloga. “Para conseguir se dedicar à carreira é crítico contar com uma rede de apoio materno, seja creche, escola, parentes. Abra mão do controle, peça ajuda, delegue as atividades que não são prioridades para você. Por último, tenha foco nos seus objetivos pessoais e profissionais, mas viva um dia de cada vez. Quando focamos no momento presente, conseguimos enfrentar os desafios no nosso caminho, com o nível de energia e resiliência que são fundamentais para a conciliação de carreira e maternidade”, sugere Monique.

Ela também afirma ser fundamental entender que deveria existir corresponsabilidade entre os pais no processo de criação e cuidados dos filhos. “A carga não deveria estar pesando para o lado da mãe. Portanto, é muito importante que a mulher deixe de se enxergar como a única ou principal responsável e faça uma revisão de papéis e responsabilidades dentro de casa”, conclui. 

Dificuldades para se manter no mercado de trabalho

E, para além da culpa materna e dos desafios de equilibrar maternidade e carreira, há outros desafios ainda maiores. Recentemente foi divulgado um caso sobre o processo de seleção do McDonald’s. Durante a entrevista coletiva, o recrutador pediu para que aquelas concorrentes à vaga que fossem mães se identificassem. Em seguida, quatro mulheres levantaram as mãos. O recrutador acenou, dando um tchau, e dispensou todas elas, desclassificando-as no processo seletivo. Questionado por uma delas se os homens, pais, também seriam eliminados do processo seletivo, ele afirmou que não. E esse é apenas um exemplo de uma situação que ocorre no mercado de trabalho.

Mas os entraves na carreira das mulheres que são mães não param por aí. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas – FGV aponta que, após 24 meses do nascimento do filho, quase metade das mulheres em regime CLT que tiveram filhos está fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses após a licença. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Portanto, percebe-se que a culpa materna tem origem na sobrecarga de assumir as responsabilidades do trabalho e de filhos, sendo que esse último de maneira desigual em comparação ao pai. Ainda assim, tentando equilibrar os pratos das diversas áreas da vida, a mulher se vê preterida em processos de seleção e com probabilidade de quase 50% de ser desligada após 24 meses do nascimento do filho. O cenário é complexo e a transformação cultural não acontece de um dia para o outro.

Mães desenvolvem mais habilidades socioemocionais

Em contrapartida, na contramão desse cenário, consultorias como a Filhos no Currículo apontam habilidades socioemocionais desenvolvidas durante o processo de educar uma criança que são importantes soft skills desejados pelas empresas. Entre elas estão a empatia, comprometimento, planejamento, inteligência emocional, criatividade, capacidade de escuta, resiliência, delegação e trabalho em equipe.

A consultoria lançou a campanha #meufilhonocurriculo, que é o início de um plano maior que propõe a implantação de uma nova cultura no mundo corporativo. As gestoras da consultoria levam até as empresas jornadas de conteúdos, ferramentas práticas para profissionais e líderes assimilarem pontos importantes na relação entre pais e mães, como, por exemplo, o momento da notícia da espera do bebê, a gravidez, a preparação para licença-maternidade. “Elaboramos um projeto de preparação da liderança criando um ambiente de respeito e inspiração”, diz a fundadora, Michelle Terni.

Empresas precisam estar cada vez mais atentas ao tema

Neste contexto, podemos afirmar que o mercado é heterogêneo e há empresas que se destacam muito positivamente na lida com as questões do pilar “gênero” no âmbito dos programas de diversidade e inclusão. Seja aumentando a licença maternidade e licença paternidade, seja contratando mulheres grávidas, incentivando a amamentação por meio da adesão ao programa “Mulheres Trabalhadoras que Amamentam”, do Ministério da Saúde, contratando consultorias como a Filhos no Currículo, entre outras diversas ações.

As organizações precisam estar cada vez mais sensíveis e atentas ao tema, cuidando para que os processos seletivos não repitam distorções culturais e, também, cuidando para que as mulheres e mães colaboradoras se sintam seguras, pertencentes e possam vislumbrar um futuro promissor na carreira. E, assim, descobrirem que a maternidade é o melhor MBA em soft skills, melhor programa de autodesenvolvimento disponível no mercado.

Fontes: Segs, G1, FGV, Valor Investe, Forbes

*Isabela Duarte é mãe de dois filhos, especialista de compliance e governança da Previdência Usiminas, PMO do Planejamento Estratégico da Entidade e pós-graduada em Previdência Complementar e Gestão Estratégica de Pessoas.

Data: 12/05/2023

WordPress Lightbox