Artigo de autoria de Laís Guerra
Uma das coisas que fazemos desde criança até o fim da vida é lidar com dinheiro. Se essa relação começa tão cedo e dura para sempre, por que a educação financeira é negligenciada durante as diferentes fases da vida?
Segundo a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, a educação financeira é um “processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram sua compreensão dos conceitos e dos produtos financeiros, de maneira que, com informação, formação e orientações claras, adquiram os valores e as competências necessárias para se tornarem conscientes das oportunidades e dos riscos neles envolvidos, e, então, façam escolhas bem informados”.
Foi com base neste conceito, adaptado para a realidade brasileira que foi criada a Estratégia Nacional de Educação financeira – ENEF que tem como objetivo aumentar o poder dos consumidores, fomentar políticas sobre educação financeira, e propiciar a inclusão financeira e proteção do consumidor.
A atuação do ENEF pretende alcançar as dimensões de espaço – individual, local, regional, nacional e global – e de tempo – passado presente e futuro. Para tanto, conta com o apoio de organizações dos setores público e privado, como a BCB, Previc, CVM e Susep para alcançar o seu público-alvo: crianças, jovens e adultos.
Outra forma de fomentar a educação previdenciária e financeira é a economia comportamental, uma ciência que pode ajudar quando o assunto são as escolhas financeiras. A economia comportamental tem feito parte das políticas públicas, inclusive aplicada pelo governo do presidente Barack Obama, pois, geralmente, possui um investimento de custo baixo e com um potencial positivo de retorno.
Obama defende a aplicação dessa metodologia, enfatizando seu potencial para simplificar a vida dos cidadãos e livrá-los de complexidades desnecessárias: “instituições grandes, incluindo governos, podem fazer mais, tornando as coisas mais automáticas e alcançando simplicidade, buscando combinar seus produtos e serviços com aquilo que as pessoas acham natural e intuitivo”. Nesse sentido, a ideia é influenciar as pessoas a tomarem as decisões que estão alinhadas com os objetivos declarados por elas, mas que por uma série de vieses, essas decisões são adiadas.
Segundo Carolina Felix, os vieses financeiros que afetam o comportamento de poupança são: viés do presente: temos tendência a preferir recompensas atuais ao invés de recompensas futuras; viés da inércia: temos a tendência de deixar as coisas como estão; e, por último, a arquitetura das decisões: a sobrecarga de opções quanto aos tipos de investimento dificulta a escolha.
Observa-se que os fatores que influenciam na hora de escolher como quando, quanto, onde e porque dispor do dinheiro vão além do “motivo óbvio”, de que é importante ter uma reserva financeira para se ter um futuro com dignidade.
De acordo com a Teoria da Perspectiva da Economia Comportamental, a forma como as escolhas são apresentadas influencia na tomada de decisão. Na prática, essa teoria pode ajudar as pessoas nas escolhas que elas afirmam desejar, mas que, por algum viés, acabam postergando. Por exemplo, se a pessoa afirma que quer poupar dinheiro para a aposentadoria, o ideal seria que no formulário de adesão a um plano de benefícios, por exemplo, estejam descritas algumas opções previamente preenchidas. Desta forma, a oferta deste produto já contempla de forma fácil e propositiva um jeito de alcançar o seu objetivo.
A chave é compreender como as decisões são tomadas e criar produtos e serviços condizentes à natureza humana, ao invés de esperar que as pessoas mudem. Esta intervenção também é conhecida como nudge (empurrão é a tradução literal) e não deve ser obrigatória sob pena de violar a liberdade de escolha das pessoas.
A finalidade do nudge, portanto, ésuperar vieses inconscientes usados em decisões que não são consideradas racionais, “reenquadrando” as escolhas possíveis. A decisão de se aposentar é um exemplo de escolha com base na economia comportamental, em que se verifica a avaliação entre distribuição de ganhos e perdas no curto e longo prazo. Nesse sentido, considerar o fator tempo nas decisões envolvendo dinheiro é fundamental.
Segundo o Relatório de Pevidência Alianz 2023, a diminuição da taxa de fecundidade e envelhencimento da população podem trazer para a realidade outras situações até então desconhecidas. Em decorrência da necessidade de se trabalhar por mais tempo para assegurar a qualidade de vida, é possível que ocorra o desemprego de pessoas idosas por um longo período. Esta prática é denominada etarismo, e ocorre em razão do preconceito contra a idade.
Estas novas situações que estão por vir, em decorrência das mudanças que envolvem o envelhecimento populacional, vem acompanhadas de uma necessidade de adaptação, inclusive em relação à maneira com que o dinheiro é administrado ao longo da vida. Uma das formas para se adequar aos desafios relacionados às mudanças geracionais é conversar abertamente sobre dinheiro, mas para algumas pessoas este assunto ainda é um tabu. E, apesar ser individual a responsabilidade de superar esse tabu, isso não significa que este caminho deva ser percorrido sozinho. Contar com o apoio das iniciativas privadas e governamentais é um passo importante rumo a desmistificação desse tema e ao desenvolvimento da educação financeira.
Além disso, a educação financeira vai além de orientar as pessoas em como gerenciar o dinheiro, de ensinar em onde investir e quanto poupar: também significa inclusão. Segundo o Instituto Locomotiva, 34 milhões de brasileiros sequer tem acesso a serviços bancários. Assim, quando o assunto é dinheiro, também é necessário criar iniciativas inclusivas e abranger as pessoas que ainda não tem a oportunidade de administrar seus recursos de forma digital.
Quando uma escolha financeira é feita, há um pano de fundo que contém os motivos da decisão. Sabendo que este contexto é amplo, os incentivos positivos – nudge – são aliados importantes para as pessoas e organizações que pretendem apoiar a sociedade e difundir a educação financeira para todos, sem distinção.
Desta forma, é possível atuar no propósito maior de apoiar as pessoas a fazerem uma boa gestão financeira, com escolhas conscientes e, assim, evitar que o dinheiro seja visto como um tabu ou uma válvula de escape emocional.